Texto de autoria de Elias Daher, colunista da coluna LiterArte de setembro de 2016 a junho de 2017
Fernando Pessoa
Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que a princesa vem.
A princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia.
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Na Mitologia grega, Eros era o deus do amor que foi enviado à terra para fazer Psique, uma mortal, se apaixonar pelo humano mais vil e feio da face da terra, mas, encantado com a beleza da moça, se apaixonou e casou com ela, com a condição de que a esposa nunca visse seu rosto. – Seguindo o conselho das irmãs, Psique acende uma vela enquanto o marido dormia, que acordou e impôs-lhe o castigo de viver sem ele dali para frente. Desesperada, Psique se submeteu a duras provas para reconquistar a confiança do marido, e quando estava prestes a reencontrá-lo, mais uma vez a curiosidade a afastou de seu amor e ainda, caiu em sono profundo. Eros salvou sua noiva daquele encanto e da união deles, nasceu Voluptas, que simboliza o prazer.
Sem dúvida, uma das mais belas obras de Fernando Pessoa. Trata-se de um poema cíclico, que conta a história do encontro entre Eros, o infante e Psique, a princesa. No final, o autor retoma o começo da história e explica que ambos eram a mesma pessoa.
Texto de rara delicadeza, demonstra que para encontrar seu verdadeiro eu, o indivíduo passa por provações e desafios, ignorando que, muitas vezes, o objetivo sonhado e esperado encontra-se dentro de si.
Uma análise possível é que Eros simboliza a curiosidade da criança, o arroubo da juventude, em busca da Psique, que representa a alma. É um elogio à determinação de dois, que superam tudo para irem ao encontro do amor.
Este poema fez Fernanda Montenegro responder uma vez que a maior atriz do Brasil era Maria Bethânia, tal a intensidade que a cantora deu à interpretação do poema de Fernando Pessoa.
Texto de autoria de Elias Daher, colunista da coluna LiterArte de setembro de 2016 a junho de 2017
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